terça-feira, 1 de julho de 2008

RESENHA: Wall-E


Por Nilton Rodrigues



ATENÇÃO: ok, não é taaanta atenção, é mais um desabafo mesmo. Por que diabos os pais insistem em levar crianças de colo para uma sala de cinema? Ou pior, deveria ser proibida a entrada de crianças em cinemas. Fiquem com os dvds piratas que seus pais compram. Para piorar a minha indigna situação de observador da decadência da educação infantil no escurinho do cinema, um guri queria ficar de papo comigo, perguntava o meu nome...me senti numa entrevista de emprego, tendo o Ananias como chefe. Bueno, por falar em crianças, os pais –tadinhos deles- acham que por ser um desenho, a criançada é obrigada a engolir. Wall-E não é para crianças.
(momento respirada fundo) Nada melhor que ter a Pixel no mundo. Assistir a nova animação do maior estúdio do planeta é uma experiência sublime, um encontro com a matéria-prima que me faz gostar tanto de cinema: amor.
Antes de falar propriamente de Wall-E, é importante destacar o tradicional curta que sempre acompanha as produções da Pixel. Este é “Presto”, a história de um simpático coelho que se recusa a participar da mágica da cartola porque seu dono não o alimentou. Está na cara que a grande influência é o clássico epísódio da ópera deTom e Jerry, com seu traço mais elástico, com créditos temáticos e um desfecho singelo. Simples como Chaplin, brilhante como tal.
Por falar em Chaplin, Wall-E é um clássico imediato. Disparada a melhor animação de todos os tempos, tanto em termos de narrativa quanto de qualidade técnica, perdendo talvez para o clássico Branca de Neve e os Sete Anões.
O bom gosto começa logo na primeira cena, a imagem pálida do planeta Terra coberta de lixo. Uma obra de arte visual, abusando de tons pastéis e na coloração mais “down” da superfície, ajudada por trilhas clássicas do cinema estudiense das décadas de 40 e 50 ajudam a dar vida à morte do planeta.
No meio desta vastidão está Wall-E, um robozinho lixeiro, que é um resumo das mais carismáticas criaturas que o cinema já nos presenteou: ET e Número 5 de um Robô em Curto Circuito.
Quando o capricho é tal, notamos nos detalhes que julgaríamos imperceptíveis a paixão por tranformar Wall-E em um documento vivo (?) do cinema para a eternidade. Os olhos do robô, nada mais são do que lentes, mas existe vida nelas. Como isso? Não sei explicar, mas é tocante e primoroso os takes naqueles olhos. Uma simbiose da simplicidade circense de Chaplin e da auto crítica bacana de Woody Allen, tudo num robô...digital...numa animação...o mundo está de pernas para baixo? Não com a Pixar.
A busca pelo roteiro enxuto, ultrapassa todo o viés daquilo que se tem feito nas animações computadorizadas americanas nos últimos anos, ou seja, chega das piadinhas bobas, gritarias e final com lição de moral. Em Wall-E, o final tem moral, mas não soa como um desfile do Greenpeace na Avenida Paulista, mas sim, como uma veneração honesta da humanidade. De um poder quase esquecido por nós, que ainda é possível acreditar nas pessoas. A crítica ao estilo de vida americano também é outro exemplo da sagacidade dos realizadores, que vai contra a máxima “desenho é para crianças né oooo”. O sedentarismo, a crítica ao fast food, as relações interpessoais, tudo é transmitida de uma maneira que “só os inteligentes podem ver”. Os seres humanos, na vastidão do espaço, viraram uma massa de gordura, que sequer conseguem ficar de pé, uma involução, um cutucão nervoso na maneira como a humanidade entra de cabeça no olho do furacão da irracionalidade. São longas cenas sem ao menos um diálogo humano, mas paradoxalmente, são os momentos mais quentes do filme.
Mas acima de tudo Wall-E é uma homenagem ao bom gosto, à inteligência daqueles que chegam a duvidar que a emoção não possa caminhar junto às grandes produções cinematográficas. Mostre Wall-E para seus filhos e depois para seus netos. Wall-E é Kubrick brincando de ser criança. Wall-E é um privilégio.
NOTA: 10

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