sexta-feira, 16 de maio de 2008

RESENHA DO FUNDO DO BAÚ: Lp Roberto Carlos 1971.


Por Nilton Rodrigues


Começa aqui uma nova seção do seu blog madafaca favorito. Discos que são verdadeiras obras-primas, que talvez o Zoneiro não esteja acostumado, ou até mesmo tenha um certo "pré" conceito, receberão a verdadeira e merecida introdução (no bom sentido) do mestre de cerimônias Zoneiro oficial (eu oras!). Pra começar, um verdadeiro petardo da música brasileira que merece ser ouvido por todos que se interessam por bons decibéis com o selo de qualidade Zona Fantasma.
A primeira obra que gostaria de compartilhar com meus madafacas leitores é talvez o maior clássico, ou no mínimo, o mais inspirado disco do rei Roberto Carlos, o homônimo de 1971.
Após o auge do "iê-iê-iê", a Jovem Guarda já começava a apresentar sinais de desgaste, e os “brotos” já não se interessavam tanto assim pelas “carangas” e pela onda Elvis Presley Tupiniquim apresentada pelo até então jovem Roberto Carlos no final da década de 60. O Rock começava a decair e as letras manhosas já não acompanhavam a sede de novos horizontes musicais que Roberto apresentava até os primeiros anos da década de 70. Uma época em que o verde amarelo do Brasil explodia em suingue negro e balanço Soul capitaneados por Tim Maia e outros grupos oriundos da zona sul carioca que começavam a se espraiar por todas as freqüências radiofônicas e regiões do Brasil.
Roberto, inquieto, bebia na fonte de influências mais “heavys” como James Brown, Aretha Franklin e demais sulistas norte-americanos do rhythm and blues, tudo isso numa tradicional lendária casa do Rio de Janeiro chamada “The Cave”, onde artistas, produtores e a casta intelectual da época, em meio à viagens licérgicas banhavam-se na nova "galinha dos ovos de ouro" da música brasileira: a influência black.
E é nesta época que Roberto Carlos mergulha numa mistura louca e brilhante de Soul, romantismo, orquestrações magníficas e letras confessionais, que lança aquele que talvez seja o maior divisor de águas de sua carreira, primando por incursões que abraçam todas as suas influências.
“Detalhes tão pequenos de nós dois são coisas muito grandes para esquecer” vociferava a faixa de abertura “Detalhes”, que já se revelava um clássico imediato. Uma música que passa anos luz do Roberto que canta funk com Mc Léozinho e analtece as gordinhas. Emocionante, épica e inesquecível.
As raízes negras já começam a pulsar no blues “Como dois e dois” , uma letra simples eficiente e sarcástica, que em sua métrica, parece passar a perna no ouvinte. Inesquecível.
Os arranjos e os metais marcam presença em quase todo o disco, sempre com letras pungentes e emocionais, como na faixa "Traumas", nunca se entregando ao pieguismo mexicano, em que entre estrofes angustiantes e confessionais, descobrimos um pouco mais do “homem” Roberto Carlos e seu tímido relato por entre frases e palavras chaves, o trauma sofrido pelo acidente que causou a perda de sua perna.
A faixa “Todos Estão Surdos” mergulha Roberto de corpo e alma no Funk e Soul suingado, com uma guitarra melódica e dando toda a base da expressão máxima da negritude do rei. Uma vocalização Gospel e uma letra cristã, que em nenhum momento parece uma evangelização barata, e sim, um exemplo de como é a transição de um jovem aspirante à cover de Elvis Presley à um inspirado rapaz de 28 anos no auge de sua criatividade, uma verdadeira esponja cultural.
Ainda sobra tempo para deboches do tipo “I love you” em que um Roberto irreconhecível, “atua” como um crooner ao melhor estilo Nélson Gonçalves, mesclando sua voz ao estilo boêmio, contando uma história hilária sobre aceitação de um aparente “tiozão” na ala dos jovens pra “frentex”.
“Roberto Carlos 1971” é um desfile de referências e clássicos da música brasileira, que ao ouvinte mais desatento pode parecer que certas canções são um compêndio de músicas populares perdidas pelo tempo, pois a identificação com todas elas são imediatas, pois em algum momento de nossas vidas, já nos pegamos assoviando as ditas cujas.
Mais exemplos do rei romântico encontramos em “Amada Amante”, em que Roberto nos presenteia com uma letra que de tão simples, usando palavras e elementos comuns do dia a dia, que é quase impossível não se emocionar.
A dúbia “Debaixo dos Caracóis dos seus Cabelos” é outro exemplar da habilidade de Roberto em criar uma colcha de retalhos típica de canção popular, com estrofes e refrão cantadas tanto pelo mais rico ao mais pobre.
Este disco é um exemplo vivo da riqueza da música brasileira, temperada com gosto norte-americano, com cobertura de malandragem carioca. Mostra como um jovem visionário em crise existencial, cansado da inocência alienante das letras da jovem guarda, causa uma verdadeira revolução cultural no país, calando a boca de vários críticos musicais da época que tachavam Roberto de ter uma pobreza lírica alarmante, e nunca imaginariam que aquele magro rapaz de voz doce e agradável, se tornaria a maior lenda da música brasileira. Testemunhem a metamorfose musical, a simplicidade tocante, a habilidade de dialogar com o popular e o erudito, o amadurecimento do homem Roberto Carlos, e entenda porque hoje, mesmo depois de mais de três décadas, um jovem rapaz nascido em Cachoeiro de Itapemerim é chamado de Rei.
Nota: 10

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