segunda-feira, 11 de agosto de 2008

RESENHA: Encarnação do Demônio.


Por Nilton Rodrigues



Não sou um antinacionalista barato, muito menos um revoltado desprovido de argumentos, mas ao ver o esperado “Encarnação do Demônio”, a volta do cineasta José Mojica Marins à sua maior criação, Zé do Caixão, constatei mais uma vez que este Brasil varonil é um país tropical que não consome bananas, mas sim, se regogiza de morrer comendo fast food.
Nosso amado pais é como aquele tio fracassado que sempre tem em almoço de família no domingo, que fica falando o que você poderia ter feito, mas que na realidade, ele mesmo nunca se esforçou para vencer na vida. No final explico.
O cinema de Mojica é inventivo, original, provocativo, estranho, bom ou ruim, não importa, mas uma coisa é certa, é impossível ficar incólume perante sua obra. “Encarnação do Demônio” encerra a trilogia do filho perfeito iniciada com “Á Meia Noite Levarei sua Alma” há mais de 40 anos atrás.
A trama vocês já devem conhecer, portanto não vou ater-me a detalhes.
“Encarnação” é estranho. Mas de uma maneira positiva e estranhamente peculiar. Para os desacostumados aos filmes de Mojica, certas cenas soarão como humor involuntário. Isso porque o cinema de Marins é inerte à mudanças, e por esta razão permanece singular e avesso às modernidades desnecessárias. Lá estão todas as características clássicas do terror Mojiquense tupiniquim, e quem pensa que o jovem senhor de unhas longas é apenas um velho estranho que fala errado, se surpreenderá com diálogos quase shakespearianos recitados com fúria herege temperado com quê tipicamente brasileiro e mambembe. Eita tempero arretado.
O estilo ruralista dos filmes antigos foi substituído pelo corre-corre metropolitano, mantendo aceso o approaching com os costumes e tipos urbanos, como a falência social das favelas, as superstições populares e até a podridão do sistema carcerário. A violência que muito foi dita está lá, os 3,8 mil litros de sangue e as torturas que fariam Jigsaw puxar um caderninho de anotações. Mas a maior violência que permeia o filme ainda é a mesma dos filmes sessentistas: a atmosfera sobrenatural com sabor afro. A força que a imagem de Zé do Caixão incorporou-se ao imaginário popular como debochador das crendices populares e reflexo do ateísmo. Certas maquiagens ainda aquém lá do “cinema do estrangeiro” mantém um charme retrô com cheiro de cinema feito como antigamente, com paixão.
Se o assunto é paixão, o filme já é um marco do cinema nacional só pelo seu histórico de vida, pois ficou hibernando durante quarenta anos, o que mostra que este sentimento ainda vive em unhas encaracoladas e cucas maravilhosas por aí.
Mas nem tudo são flores, certas atuações, como a do religioso que busca vingança são infantis demais, e dos figurantes então, nem se fala, são paupérrimas, devido a um vicio do cinema de estereotipar os vilões (por que os loucos e degenerados necessariamente precisam sempre ser metaleiros, góticos ou punks? O terror precisa se lembrar de “O Bebê de Rosemary” para desconstruir estereótipos.
No fim das contas, o filme vale a pena ser visto e analisado.
Mas voltando ao primeiro parágrafo do texto, quando fui assistir a película, constatei que apenas dez pessoas estavam na sessão, sendo que quatro estavam ali para gritar, “tirar uma onda” e externar sua malandragem juca. Brasil é um país que reclama da falta de heróis e esbraveja que nada é feito de diferente na cena cultural. Bom, as salas estavam vazias, e tudo está como dantes no quartel de Abrantes. Mas o que eu acho de mais paradoxo, é que o Brasil é um país fúnebre por excelência, todos que foram desta para melhor viraram mitos. Vai precisar isto acontecer? Se puder prestigiar, vá ao cinema e surpreenda-se.

Nota: 8

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